Sobre a inclusão de candidatos especiais no Enem 2014

* Por Camila Dalla Pozza Pereira

Neste texto de hoje escrevo não como professora, mas como irmã de uma candidata especial ao Enem 2014. Minha irmã caçula tem 18 anos, concluirá o Ensino Médio neste ano e é portadora da Síndrome de Down. Graças aos esforços de meus pais, ela estuda em escola regular desde a Educação Infantil e toda a nossa família sempre lutou pela sua verdadeira inclusão em todos os âmbitos, não apenas no escolar.

Em 2015, iniciaremos mais uma batalha: sua inclusão em um curso técnico ou universitário (já que ela mesma ainda não decidiu que caminho tomar, como tantos outros jovens) visando o início de uma carreira profissional. Portanto, assim como para todos os candidatos, de uma maneira ou de outra, o Enem representa para minha irmã uma porta de entrada e, além disso, uma experiência de vida, já que será o primeiro exame de grande porte que ela fará.

Na última semana, porém, tivemos uma surpresa ao fazermos a sua inscrição no Enem 2014. Pensávamos que por ser portadora da Síndrome de Down e, por isso, possuir algumas dificuldades pedagógicas, ela teria direito a um atendimento especializado no exame; pensamos em pedir que minha irmã tivesse o acompanhamento de um profissional capacitado para realizar a leitura das questões e da prova de redação, o que o Enem nomeia de “auxílio para leitura”, pois ao pesquisarmos na internet, conhecemos algumas histórias de candidatos portadores da Síndrome de Down que tiveram esta ajuda no momento do Enem.

Tendo isso em mente, minha mãe, minha irmã e eu começamos a inscrevê-la no Enem 2014 e na parte referente ao atendimento especializado, assinalamos que ela possui uma condição especial; em seguida, marcamos a opção “outra deficiência ou condição especial”, já que nenhuma das demais opções (surdocegueira, deficiência auditiva, baixa visão, deficiência intelectual, dislexia, cegueira, surdez, deficiência física, autismo, discalculia e déficit de atenção) encaixa-se no caso dela segundo o nosso entendimento.

Ao marcarmos esta opção, apareceu um espaço para preenchermos o CID (Classificação Internacional de Doenças) da Síndrome de Down e escrevemos o referente a Trissomia 21, mosaicismo (não-disjunção mitótica), o qual é o diagnóstico de minha irmã e, finalmente, assinalamos a opção na qual afirmamos que a candidata em questão possui mesmo a condição indicada.

Após preenchermos estas questões, pensávamos que a janela ilustrada acima, na qual poderíamos assinalar a opção “auxílio para leitura”, abriria, mas isto não aconteceu; a janela seguinte já dizia respeito ao atendimento específico que, por sua vez, é específico para gestantes, lactantes, candidatos em situação de classe hospitalar e guardadores de sábado por motivos religiosos. Ou seja, para uma candidata Síndrome de Down não foi dada pelo Enem a oportunidade de fazer o exame com a ajuda de um recurso; não tivemos a chance nem de dizer que precisaríamos de um.

Na hora, voltamos a fazer a inscrição do início, pois achamos que poderíamos ter feito algo de errado, mas o resultado foi o mesmo: a janela de “recursos” não foi aberta e não pudemos pedir que minha irmã tivesse o “auxílio para leitura”.

Assim, gostaríamos de saber o motivo pelo qual a Síndrome de Down não entra no rol de condições especiais que merecem recursos no Enem. Pesquisamos no site, no edital e nada encontramos a respeito; o telefone 0800 simplesmente não atendeu, pois a ligação caia a todo o instante.

Sinceramente, não sei se fizemos algo errado no momento da inscrição, mas pensamos que não, pois lemos atentamente as instruções e opções. Apenas queremos saber dos responsáveis pelo Enem as razões pelas quais um candidato portador da Síndrome de Down não pode pedir um recurso para fazer o exame e por que esta informação não é dada pelo Ministério da Educação (cujo site, aliás, é difícil de se navegar). Caso fizemos algo de errado, gostaríamos de saber o quê, mas simplesmente não foi dada esta opção à minha irmã.

Em um país onde fala-se tanto de inclusão de pessoas com necessidades especiais, o Enem não incluir todas elas é muito incoerente, no mínimo. Não queremos que ninguém faça o exame pela minha irmã, mas sim que ela tenha o recurso específico para a sua dificuldade pedagógica e, mais do que isso, almejamos uma resposta dos motivos dessa situação e saber se há mais alguém nesta situação, pois responder a estas questões é obrigação e dever do Ministério da Educação e dos responsáveis pelo Enem.

A equipe infoEnem entrará em contato com o MEC novamente e, assim que obtiver alguma resposta, publicaremos aqui.

 


*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).

**Camila também é colunista semanal sobre redação do infoEnem. Um orgulho para nosso portal e um presente para nossos milhares de leitores! Seus artigos serão publicados todas às quintas-feiras, não percam!

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5 comments
  1. Não será possível fazer curso superior,não optei por receber o certificado do Ensino Médio,favor pode me indicar o procedimento sou grato

  2. Oi Camila.

    Comigo também ocorreu algo semelhante. Não sou portador de deficiências, mas me considero Especial, pois sou idoso, tenho 72 anos, me inscrevi ao Enem com o propósito de ingressar em uma Universidade pública caso obtenha uma classificação suficiente no Enem. Bem, quando preenchi o formulário de inscrição não deparei com nenhuma opção para IDOSO, a não ser SALA DE FÁCIL ACESSO. Não é só isso que o IDOSO necessita, vejamos:
    Acesso ao banheiro – no mínimo a cada hora. – Tenho disfunção urinária.
    Água potável para beber, sempre que precisar.
    Ligeiro lanche a cada 90 minutos.
    Mais prazo para realização da prova, pois idoso é mais lento na leitura, raciocínio e escrita.
    Bem, no caso de sua irmã, acho que é legitimo os seus cuidados. TODOS NÓS TEMOS NOSSOS DIREITO.
    Vá em frente e lute pelos direitos de sua irmã e de todos os demais candidatos ESPECIAIS.

    AGA.

  3. Cara Camila
    Trabalho há 9 anos na educação especial e há 3 anos sou ledora e transcritora da Cesp UNB ao qual fiz um curso preparatório realizado por esta instituição, para poder estar apta para auxiliar esse tipo de modalidade.
    O que posso agora lhe repassar é que todos os tipos de deficiências são reconhecidas pelo MEC por categorias, e sua irmã esta na de “Deficiência intelectual/Mental”, pois todos da síndrome de Down possuem um retardo no aprendizado.
    Acho que faltou uma comunicação da “Escola que sua irmã frequentou” para lhe orientar correto em como fazer a inscrição dela de forma a permitir a ela o atendimento necessário para a realização da prova.
    Trabalho em uma escola publica onde nós auxiliamos a família e os alunos sempre que nos solicitam sobre diversas questões de suas vidas sociais e sobre seu futuro.
    Cabe a vocês também buscar informações e conhecer o que realmente é, e significa essa deficiência na vida de sua irmã, pois só assim irão permitir que ela aprenda no tempo certo, conheça seus limites e de que forma vocês podem ajudá-la a estimular o gosto de aprender sempre.
    Symone Costa
    Especialista em Educação Especial e Inclusiva
    Especialista em AEE

    1. Cara Symone,

      Obrigada pelo seu comentário.
      Você tem razão sobre o papel da escola, pois nenhum coordenador respondeu os questionamentos da minha mãe sobre como proceder na inscrição do Enem. Ela estuda num colégio privado e ninguém soube nos ajudar; daí vem mais discussões sobre inclusão.

      Conhecemos muito bem a Síndrome de Down, pois desde o nascimento de minha irmã meus pais fizeram o impossível para inclui-la na sociedade a fim de que ela seja o mais independente possível; sabemos o que isso representa sim, conhecemos e tentamos ultrapassar seus limites sim. Esta não é a questão; desculpe discordar de você nesse ponto. Ela, graças a Deus, foi acompanhada por fonos, TOs, fisioterapeutas, psicólogos, psicopedagogos e temos consciência do que significa ser Down.

      Penso que foi um desconhecimento sobre esta classificação do MEC que, aliás, deveria ser publicada no momento da inscrição do Enem como um guia, um tutorial para auxiliar os candidatos sobre como preencher o atendimento especial.

      Atenciosamente,

    2. Olá, Simone! Como seria o auxílio dado a um portador de DEL, distúrbio específico da linguagem, associado a discalculia e déficit de atenção. Minha filha possui estes diagnósticos, e eu sempre me pergunto como será?
      Obrigada.

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