O Uso da 1ª Pessoa no Singular na Redação do Enem

A interlocução em dissertações-argumentativas (tipo textual requerido pela proposta de redação do Enem e de demais vestibulares e concursos) já foi tema desta coluna mais de uma vez (veja aqui), mas como é uma dúvida recorrente entre as mensagens que os leitores enviam a nós, resolvemos retomá-lo.

Inúmeras discussões são realizadas entre professores de Língua Portuguesa do ensino básico e docentes universitários das áreas de língua e linguagem acerca do uso da 1ª pessoa do singular (eu) em dissertações-argumentativas, mas a verdade é que a maioria das grades de correção dos vestibulares que pedem esse tipo textual condenam, digamos assim, a interlocução marcada entre autor e leitor em dissertações-argumentativas.

Diferentemente da situação de produção de um texto que circula nas esferas sociais, com autor, motivação, objetivos e público-alvo específicos, a situação de produção de uma dissertação-argumentativa é uma situação simulada, ficcionalizada, pois trata-se de um tipo textual exclusivo da esfera escolar na qual um contexto e um tema precisam ser criados a fim de se cumprir uma proposta de redação também simulada. Toda essa simulação é necessária porque não há uma real motivação, exceto pedagógica e avaliativa, para se escrever uma dissertação-argumentativa.

Como há esse deslocamento de uma situação de produção real na qual há uma verdadeira motivação (como escrever uma carta de leitor para um jornal, um relatório para a empresa, uma carta aberta para alguma autoridade, um resumo para um professor, uma entrevista para uma revista etc) para uma situação avaliativa de uma prova, como é o caso do Enem,deve-se evitar o uso da 1ª primeira do singular, o uso do imperativo (ordem) e também deve ser evitada a referência da coletânea de textos motivadores e da proposta de redação em si, já que devemos nos colocar como autores que possuem a voz do bom senso e da razão que objetivam convencer um leitor que representa um leitor universal (também simulado), ou seja, qualquer pessoa que é alfabetizada.

Assim, devemos evitar o uso da 1ª pessoa do singular e do imperativo para não estabelecermos uma interlocução com o nosso leitor. Outras marcas que devem ser evitadas pela mesma razão são as de 2ª pessoa do singular (você, seu, sua, teu, tua etc) e do plural (vocês, seus, suas, teus, tuas etc).

Além disso, já que devemos imaginar um leitor universal para as nossas dissertações-argumentativas, não podemos pressupor que ele conhece a coletânea de textos motivadores e a proposta de redação em si e, assim, devemos evitar escrever, por exemplo: “segundo o texto um da coletânea” e “de acordo com a coletânea de textos motivadores”.

Até a próxima semana!

 


*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada e mestranda em Letras/Português pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em em importantes universidades públicas. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).

**Camila também é colunista semanal sobre redação e uma das professoras do Programa de Correção de Redação do infoEnem. Um orgulho para nosso portal e um presente para nossos milhares de leitores! Seus artigos são publicados todas às quintas-feiras, não perca!

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10 comments
  1. Olá Camila, tudo bem?
    Eu não creio que os temas das redações sejam ficcionais, uma vez que abordam situações reais do cotidiano. Sendo assim, se você é uma pessoa que escreve muito bem, por que não poderia escrever na primeira pessoa, mantendo a imparcialidade…seria só uma questão de estilo, não? Já que o que importa é o conteúdo…

  2. Por falta de tempo fiz minha redação do Enem muito rápido (5 minutos) e tô um pouco preocupado, então gostaria da opinião de alguém que se dispuser a ler e avaliar ela, desde já agradeço..
    Tema: ”Caminhos para combater a intolerância religiosa no Brasil” (dissertativa argumentativa)
    —Considerando a diversidade religiosa no Brasil, temos uma vastidão de princípios, culturas e doutrinas. Onde pessoas de religiões conservadoras acham um insulto o que pessoas de religiões liberais fazem, seja no modo de agir, vestir ou se portar em meio a sociedade.
    O fanatismo religioso é o grande responsável por tais comportamentos. As pessoas são muito religiosas em vez de serem cristãs, ou o que quer que suas religiões representem.
    Eu, como cristão, creio que a falta de sabedoria seja um dos grandes problemas dessa sociedade, pois as pessoas não tem sabedoria pra falar daquilo que acham certo dentro de suas religiões. Grande parte das pessoas querem obrigar todos a aceitarem suas suas opiniões. Então creio que se os líderes religiosos ensinarem com sabedoria, os fiéis também serão sábios e tolerantes. Esse seria um caminho eficiente para combater a intolerância religiosa no Brasil

  3. Ola bom dia , acabei de fazer uma redação no colégio e acho que fiz uma grande palhaçada, usei o ( eu ) para da informação de que foi o criador da solução e agora ?
    Exemplo: Eu Moisés Nascimento Nonato trago em três simples passos , para dminuir o índice de alcolismo envolvendo jovens menor de 18 anos.

  4. Só não entendi uma coisa: seu, sua, seus, suas como segunda pessoa do singular? Não seria terceira?
    E a primeira pessoa do singular não é proibida, mas é perigosa… Se usá-la sem trazer o tema para si, não tem nenhuma regra que a condene.

  5. não entendi por que o aluno não pode fazer menção aos textos da proposta. Se eles não podem ser mencionados, então não seria mais lógico que o Enem simplesmente desse o tema numa frase e pronto?
    O edital do Enem não menciona que não se podem usar os textos fornecidos.
    Por outro lado, os outros vestibulares mais conhecidos não têm qualquer objeção quanto a isso – por que às vezes pode e às vezes não pode?

    1. É regra o fato de não poder copiar, com as mesmas palavras, o texto de apoio. Vem escrito nas instruções que quem fizer isso terá o número de linhas copiado desconsiderado. Mas basear-se nelas é totalmente liberado, inclusive elas estão ali para isso. Só não pode esquecer que o texto também ganha nota pela originalidade.

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