O Enem e o SAT


Por Fernando Buglia.

Após a confirmação do vazamento de 13 questões na edição 2011 do Enem, o ministro da Educação Fernando Haddad tem sido provavelmente o maior alvo das críticas direcionadas ao exame.

Em uma de suas argumentações, o ministro equivocou-se ao comparar a falha no nosso exame com as ocorrências no SAT, exame semelhante ao Enem aplicado nos Estados Unidos, que tem, em média, mil provas anuladas dentre as mais de 2 milhões aplicadas ao ano.

Primeiramente, essas anulações não tem a mesma natureza, pois no exame norte-americano, ao contrário da impressão que Haddad quis passar,essas anulações são por tentativas de cola e desordem e não por vazamento, como é o caso brasileiro.

Outra questão relevante é o fato do SAT não ser a única forma de seleção para o acesso as universidades, e sim apenas parte de um processo muito maior, que leva em consideração até atividades extracurriculares. Ou seja, o Enem é muito mais importante para os brasileiros do que o SAT é para os norte-americanos.

Esses dois fatos, a meu ver, descaracterizam a comparação feita pelo ministro.

Sou otimista quanto ao Enem. O problema é que sua importância cresceu muito, em comparação à sua organização. Podemos, ao invés de comparar, conhecer melhor o exame americano e “importar” o que julgarmos interessante.

Pensando no vazamento de questões, que é atualmente sem dúvida nenhuma o maior desafio do governo brasileiro, tem algumas características que acredito relevante destacar.

O SAT é aplicado sete vezes ao ano (em outubro, novembro, dezembro, janeiro, março ou abril, maio e junho) e para isso estima-se que mantenha um banco de questões em torno de 100 mil itens (o Enem tem em torno de 6 mil, segundo o próprio Haddad).

Em cada edição, várias provas diferentes são elaboradas. Mas essas provas são diferentes não por trazerem apenas questões em ordens diferentes, como é feito no Enem, e sim questões diferentes.

Em resumo, no Brasil temos um exame por ano, para mais de 5 milhões de inscritos e cada questão vazada tem valor inestimável para qualquer participante. Nos Estados Unidos o SAT é “diluído” ao longo do ano e uma questão vazada não tem, digamos, tanto valor assim, pois o participante não tem garantia que aquela questão estará na sua prova.

Outra constatação importante. O SAT existe a quase 90 anos, enquanto o Enem começou em 1998. Na prática é como comparar a maturidade de uma pessoa adulta com uma criança. O problema é que a “nossa criança” tem hoje muitas responsabilidades.

No intuito de aumentar a segurança, o MEC precisa investir pesado na criação de um banco de questões muito maior que possibilitaria mais de uma edição do Enem por ano, e talvez até com questões diferentes dentro de cada edição. Essas medidas certamente diminuiriam o interesse em vazamentos, embora muita reclamação quanto as questões diferentes apareceriam.

Além disso, discordando do alarde feito por tantos, a volta dos vestibulares tradicionais não traz a segurança tão aclamada e pedida por todos. Quem garante que nos vestibulares tradicionais das inúmeras universidades federais espalhadas pelo país não existiam, em nenhuma delas, vazamentos e/ou informações privilegiadas? Em tese, é mais fácil corromper um vestibular regional que um com dimensões praticamente continentais. Apenas acho que antes os vazamentos não ganhavam os noticiários.

O Exame Nacional do Ensino Médio é uma proposta boa, que tenta democratizar, pelo menos em parte, o ensino superior brasileiro. Mas como todo grande projeto, muitos desafios gigantesco ainda estão pela frente.

 

*Fernando Buglia é formado em física pela UNICAMP e atua como professor de ensino médio e cursinho pré-vestibular na rede particular. Também é um dos criadores do site Infoenem.

 

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5 comments
  1. “Em tese, é mais fácil corromper um vestibular regional que um com dimensões praticamente continentais”-Que frase sem coerência!

  2. O artigo estava excelente e a comparação com o SAT estava muito lúcida, até o parágrafo em que o autor critica a volta dos antigos vestibulares e questiona a segurança dos mesmos. Ora, o modelo de vestibulares individuais tem muito mais a ver com o bem sucedido modelo do SAT, do que essa prova gigantesca e impraticável na qual o ENEM se transformou. Convenhamos, é infinitamente mais fácil controlar uma prova que será aplicada apenas em um estado ou cidade, do que uma prova que será aplicada no país inteiro. Além disso, assim como no SAT, os efeitos de um vazamento ou anulação de questão são menos drásticos em um vestibular, do que no atual ENEM. Não cabe a mim aqui criticar o ENEM como prova em si, mas sim sua logística. O governo quis transformar o ENEM em algo estratosférico, porém, controlar uma prova dessa magnitude é praticamente impossível. Se o governo aplicasse o ENEM várias vezes por ano, com questões diferentes para as provas, tenho certeza de que o exame teria mais sucesso. Gigantismos e obras faraônicas são sempre pouco administráveis.

    1. Mais fácil de administrar, com certeza. Entretanto, mais corruptível também. Hoje, na grande maioria das universidades federais do país, não basta ser amigo do reitor e nem ter parceria com o responsável pelo processo seletivo para conseguir informações privilegiadas. Tem que conseguir as questões do Exame Nacional do Ensino Médio. E hoje o Enem está sob holofotes! Atitudes ilícitas, nessa situação, são bem mais difíceis de aparecerem .

      Quanto ao restante de seus comentários, concordo plenamente. “Gigantismos e obras faraônicas são sempre pouco administráveis.” De fato. Por isso mesmo escrevi que desafios gigantescos estão pela frente.

      Abs

      Fernando

  3. Também acredito muito no ENEM e acho que ele tem muito a crescer. É um passo em busca de uma forma mais justa de selecionar nossos futuros universitários.

    Professor Darlan

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