Concordância: Alguns Casos ‘Espinhosos’ – Parte 1

Não vou começar o texto de hoje de uma maneira original. Vou reverenciar um cronista muito talentoso, Fernando Sabino. Numa crônica chamada “Eloquência singular” ele descreve a angústia de um parlamentar que, no meio do discurso, se depara com uma dúvida de concordância: deveria usar o verbo no singular ou no plural?

O pobre parlamentar suou frio ao longo de todo o discurso, pois não tinha certeza de como continuar a frase:

Mal iniciara seu discurso, o deputado embatucou:

— Senhor Presidente: eu não sou daqueles que…

O verbo ia para o singular ou para o plural? Tudo indicava o plural. No entanto, podia perfeitamente ser o singular:

— Não sou daqueles que…

Não sou daqueles que recusam… No plural soava melhor. Mas era preciso precaver-se contra essas armadilhas da linguagem — que recusa? — ele que tão facilmente caia nelas, e era logo massacrado com um aparte. Não sou daqueles que… (…)1

Assim, ao longo de toda a crônica, o deputado, angustiado, hesitava entre o singular e o plural. E quantas vezes nós, pobres mortais, sem poder recorrer às musas2 no momento de escrever nossos textos ficamos com essa dúvida? E, pior ainda, por distração ou outro motivo, erramos a concordância?

Para evitar os erros de concordância, um procedimento bastante eficiente é fazer um “check list” após terminar o texto, revisando os verbos: para cada um, procure o sujeito e verifique se está de acordo com a regra geral da concordância verbal: “O verbo deve concordar com o(s) núcleo(s) do sujeito em número (singular ou plural) e pessoa (1ª, 2ª ou 3ª)”.

O problema dos redatores desatentos costuma ocorrer quando o sujeito, por um motivo ou por outro, acaba ficando distante do verbo e essa checagem ajuda a minimizar os deslizes.

Mas há alguns casos espinhosos, que fogem à regra geral e os gramáticos costumam chamar de ‘casos especiais’ (nome chique, para impressionar!). Um deles pode aparecer na sua redação no dia do Enem 2015: concordância com porcentagem! Usar dados estatísticos no desenvolvimento do texto é um procedimento que reforça a argumentação, tornando-a mais convincente para o leitor, então não erre:

  • se você usar somente o número, o verbo concorda com ele:
    1% faltou, portanto 99% compareceram.
  • se usar o número seguido de um substantivo, o verbo concorda com este:
    15% dos eleitores se abstiveram de votar.
    15% da população se absteve de votar.
  • se o verbo aparecer antes do sujeito, deverá concordar com o numeral (que será o termo mais próximo):
    Faltou 1% dos candidatos.
    Faltaram 10% dos candidatos.

E quanto ao tal deputado? Bem, se ele escolhesse o plural (não sou daqueles que recusam) teria acertado. E se optasse pelo singular (não sou daqueles que recusa)? Estaria certo também! O problema é que nem sempre as duas concordâncias funcionam, por isso fique atento!

E por falar em políticos, fica aqui uma charge usada como base para uma questão da Unicamp, para uma reflexão. Voltaremos a ela na próxima semana!

In: http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2007/download/comentadas/portugues.pdf Acesso em 03/09/2015
In: http://www.comvest.unicamp.br/vest_anteriores/2007/download/comentadas/portugues.pdf Acesso em 03/09/2015

Até lá!

 


1 Para gostar de ler, vol.4 – Fernando Sabino

2 Filhas de Zeus e de Mnemósine, deusa da memória. São 9 e cada uma inspirava uma das atividades intelectuais/artísticas na Grécia antiga: Calíope (bela voz), a primeira entre as irmãs, era a musa da eloquência; Clio (a que confere fama) era a musa da História; Euterpe (a que dá júbilo) era a musa da poesia lírica e tinha por símbolo a flauta, sua invenção; Tália (a festiva) era a musa da comédia ;Melpômene (a cantora) era a musa da tragédia; Terpsícore (a que adora dançar) era a musa da dança; Érato (a que desperta desejo) era a musa do verso erótico; Polímnia (a de muitos hinos) era a musa dos hinos sagrados e da narração de histórias; Urânia (celeste) era a musa da Astronomia.

 


Margarida Moraes é formada em Letras pela Universidade de São Paulo (USP), onde também concluiu seu mestrado. Mais de 20 anos de experiência, corretora do nosso Curso de Redação e responsável pela resolução das apostila de Linguagens e Códigos do infoEnem, a professora é colunista de gramática do nosso portal . Seus textos são publicados todos os domingos. Não perca!

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2 comments
  1. Não entendi bem. Eu acertaria se dissesse “Não sou daqueles que recusam…” . A explicação é que quando há o pronome relativo ‘que’, o verbo concorda com o que vem antes do pronome, no caso, ‘daqueles’, que está no pural. É isso? Mas qual a explicação para usar ‘recusa’, nessa frase? E eu vi em outro site que estaria certo usar ‘recuso’. Como?!

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