Análise da Redação do Vestibular FAMERP 2019

A FAMERP – Faculdade de Medicina de São José do Rio Preto – é uma das principais faculdades do interior de São Paulo na área da saúde, pois oferece os cursos de Medicina, Enfermagem e Psicologia. Seu vestibular foi realizado neste mês de dezembro e a prova de redação, que exige a escrita de uma dissertação-argumentativa, propôs um tema muito atual e que foi muito debatido pela sociedade em geral, pelas escolas e pela mídia em 2018: “Obrigatoriedade da Vacinação: entre a prevenção das doenças e o respeito às escolhas individuais“.

Por se tratar de uma prova de redação formulada para candidatos que se prepararam exclusivamente para cursos de graduação da área da saúde, o tema é muito pertinente e a sua escolha demonstra como a banca elaboradora está “antenada” em relação ao que aconteceu em 2018 acerca da saúde da população, pois muito se discutiu a este respeito.

Há tempos não só o Brasil, mas também outros países, tem acompanhado o crescimento de um movimento chamado de “antivacina“, composto por adultos (pais, em sua maioria) que são contra as vacinas e, por este motivo, não vacinam os seus filhos – crianças e jovens.

O nosso país tem um dos melhores programas de vacinação do mundo, ultrapassando países como a Alemanha, por exemplo, em quantidade de vacinas e doses que uma pessoa deve tomar ao longo da vida, já que a vacinação começa na primeira infância e vai até a fase adulta, na qual muitos deixam de se vacinar. Deste modo, o calendário de vacinação brasileiro abrange todas as fases da vida de um indivíduo, mas vem sofrendo boicotes do movimento dos “antivacina“.

Segundo artigo da bióloga Drª. Natália Pasternak Taschner (Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo), publicado na revista Saúde, em 2016, a meta da vacinação contra a poliomielite – paralisia cerebral – não foi alcançada; imunizou-se apenas 86% da população quando o recomendado é 95%; foi o pior índice dos últimos 12 anos.

Segundo Taschner, o maior problema consequente deste movimento é:

Quando uma parte da população deixa de ser vacinada, criam-se grupos de pessoas suscetíveis, que possibilitam a circulação de agentes infecciosos. Quando eles trafegam e se multiplicam por aí, não afetam apenas aqueles que escolheram deixar de se vacinar, mas também aqueles que não podem ser imunizados, seja porque ainda não têm idade suficiente para entrar no calendário nacional, seja porque sofrem de algum comprometimento imunológico.

Sim, a vacinação dificilmente chega a 100% da população. Mas, quanto maior for o contingente vacinado, maior a proteção conferida inclusive aos não vacinados. Isso é o que chamamos de imunidade de rebanho.

Por essas e outras, a vacinação é algo maior que uma escolha pessoal. Vira assunto de saúde pública. Se você não vacina seu filho de 5 anos, ele pode contrair uma doença e passar para o meu bebê de 6 meses, que ainda não tomou todas as doses necessárias. Assim, a SUA escolha afeta a vida do MEU filho. E esse é um fenômeno que tem acontecido no Brasil.

Disponível em https://saude.abril.com.br/blog/cientistas-explicam/por-que-o-movimento-antivacina-nao-tem-um-pingo-de-sentido/?fbclid=IwAR205Pcr5xTbrdCO_Wd-nTfA6CWVl7kCJD6rBSGJUaGVDH4feo8qubYQpTA.

A bióloga credita este fenômeno às fake news, notícias falsas que circulam nas redes sociais, espelhando mentiras a respeito de vacinas. Como por exemplo, há uma fake news que afirma, erroneamente, que vacinas causam autismo.

Passemos, agora, à análise da proposta de redação do vestibular FAMERP 2019:

O primeiro texto da coletânea textual é um excerto de uma notícia de julho deste ano a respeito da volta de doenças até então consideradas erradicadas: sarampo e a poliomielite. A grande circulação de pessoas oriundas de países onde as doenças ainda não são erradicadas (como a Venezuela, por exemplo) e a baixas nos índices de vacinação contribuem para possíveis surtos que podem ocasionar mortes.

Por isso que muitos imigrantes venezuelanos foram vacinados antes de entrar no Brasil, comprovando que as vacinas são os meios mais eficazes de se erradicar uma doença e evitar a sua transmissão. Aliás, é por esta razão que os cientistas do mundo todo têm como objetivo desenvolver uma vacina para o vírus HIV, o causador da AIDS, por exemplo.

O segundo texto da coletânea corrobora o artigo que usamos para contextualizar a nossa análise: o Brasil tem um dos mais reconhecidos programas públicos (gratuitos) de vacinação do mundo, mas mesmo assim pais têm se recusado a vacinar seus filhos embasados em fake news, buscando, inclusive, meios de não serem denunciados.

Realmente, os pais devem exercer o pátrio poder em relação aos filhos; isso é um dever e um direito dados pela legislação brasileiro, sob pena de perdê-lo caso haja negligência, maus tratos, abandono etc. Mas como respeitar uma escolha individual, de uma família, em relação a um tema em que esta escolha pode prejudicar a saúde de mais crianças que não fazem parte desta família? Esta é, basicamente, a pergunta na qual o tema da proposta de redação está estruturado.

Os pais têm o direito de escolher não vacinar seus filhos? Caso a família não cumpra o calendário nacional de vacinação, deve haver alguma punição? O cumprimento do calendário de vacinação deve ser pré-requisito para matricular os filhos na escola, por exemplo? Ou para tirar documentos como o passaporte? Aliás, há países que exigem certificado de vacinação para o turista passar na imigração…

Enquanto os dois primeiros textos tratam da atualidade do tema, o terceiro texto remonta a Revolta da Vacina, o maior motim da história do Rio de Janeiro, na época, capital do país. Oswaldo Cruz, médico sanitarista, comandou a erradicação de doenças como a febre amarela (transmitida pelo mosquito Aedes Aegypti, o mesmo que transmite a dengue, o vírus Zika e a Chikungunya), a peste bubônica e a varíola.

Trata-se de uma contextualização histórica importante para a proposta de redação, já que mostra que o movimento “antivacina” pode ser considerado mais antigo do que pensamos. Porém, devemos ponderar que, naquela época (início do século XX), não havia as informações e o conhecimento científico, com comprovações, acerca das vacinas.

Desta maneira, o recorte temático da proposta converte para um debate entre a prevenção de doenças e as escolhas individuais que penda para a prevenção de doenças, pois doenças tidas como erradicadas estão voltando a causar mortes no Brasil e no mundo. Afinal, o que pesa mais: a escolha de uma pessoa – na maioria das vezes, de pais em relação aos filhos que, por sua vez, ainda não têm poder de decisão – ou a saúde de toda uma população?

 
PS: Este é o último texto do ano de 2018. Gostaria de agradecer ao portal infoEnem pela confiança e pela parceria, mais uma vez, e aos leitores pela atenção. Desejo a todos um feliz 2019!

 


*CAMILA DALLA POZZA PEREIRA é graduada em Letras/Português e mestra em Linguística Aplicada pela Universidade Estadual de Campinas (UNICAMP). Atualmente trabalha na área da Educação exercendo funções relacionadas ao ensino de Língua Portuguesa, Literatura e Redação. Foi corretora de redação em importantes universidades públicas e do Curso Online do infoEnem. Além disso, também participou de avaliações e produções de vários materiais didáticos, inclusive prestando serviço ao Ministério da Educação (MEC).

 
**Camila é colunista semanal sobre redação do nosso portal. Seus textos são publicados todas as quintas!

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